Enviado por Camila Nobrega - 23.11.2009
Fonte: Blog Razão Social - O Globo
O objetivo do seminário do qual participei nos últimos dias, na cidade de Doha, no Qatar, era reunir líderes mundiais na área de educação para discutir um novo modelo nas escolas e universidades. E incluir questões como inovação e sustentabilidade nas salas de aula era o ponto principal nesse encontro, organizado pela Fundação Qatar, uma organização sem fins lucrativos mantida por empresas em parceria com o governo do país. À primeira vista, o protagonismo do Qatar na questão parecia completamente justificado, especialmente quando visitamos, eu e um grande grupo de jornalistas de todo o mundo, a cidade da educação construída pela Fundação Qatar (foto), já no estilo da nova Doha, com construções moderníssimas. Mas, assim como por toda a cidade, lá as contradições são chocantes.
Com uma estrutura invejável para todos nós, mesmo entre os americanos e europeus presentes, a cidade da educação trouxe nos últimos cinco anos, quando a primeira universidade americana se instalou lá, a possibilidade de aprimorar e muito o ensino público para os qataris (a educação da população local é toda bancada pelo governo). E abriu espaço para a atuação das mulheres, que nos últimos dez anos têm sido inseridas nas faculdades e também no mercado de trabalho por lá. No entanto, afora as oportunidades de ensino, o lugar tem pouca coisa a que se possa atribuir a palavra sustentável. Com mais de 10 milhões de metros quadrados, a cidade universitária congrega seis universidades americanas (como a Northwestern University e a Weill Cornell Medical College) e só possui cerca de 2.500 alunos. Em um dia de aula normal, pela manhã, é até difícil encontrá-los pelos prédios, suas milhares de salas de aula e imensos auditórios. A tarefa é mais fácil quando se fala de computadores. Lá eles se espalham aos montes, assim como outros equipamentos de alta tecnologia de ensino, telas de apresentação e laboratórios, muitos vazios.
Não há como negar, porém, que o investimento é invejável, trata-se de algo na grandeza de US$ 8 bilhões só da parte da Fundação Qatar, sem contar as aplicações das universidades americanas. E da mesma forma, é admirável que este seja o principal projeto da fundação, mantida especialmente pela principal atividade da região, a exploração de petróleo e gás natural. Nos últimos dez anos e ainda com mais força nos últimos cinco, o Qatar tem investido tudo para se tornar uma grande potência na educação, considerada acertadamente por lá o motor da sociedade e um grande poder de mudança. Dessa forma, e com todo o investimento em construções e turismo, eles pretendem colher todos os louros provenientes da exploração das fontes fósseis de energia, especialmente porque sabem que elas não são renováveis, e, portanto, vão acabar, provavelmente ainda neste século.
Neste ponto, o país pode servir inclusive como exemplo para nós, que teremos agora mais dinheiro ainda proveniente da descoberta do pré-sal. Uma forma de aproveitá-lo para aprimorar os níveis de educação da população. Mas a experiência a ser seguida para por aí. Assim como não me pareceu haver grande preocupação na inclusão de mais alunos para o grande espaço disponível, foram raríssimas as vezes em que se ouviu a expressão "meio ambiente" durante o seminário. Parece que o conceito deles de sustentabilidade tem restrições. E a palavra inclusão é uma delas. Como disse anteriormente, o governo banca o ensino dos qataris. Mas eles respondem por apenas cerca de 16% dos quase 900 mil habitantes, o que nos faz perguntar: onde estão os demais moradores do país? Os europeus e americanos que vão ao país para estudar ingressam nas universidades, se puderem pagar ou conseguir bolsa por méritos escolares em seus países. No entanto, os imigrantes que vão ao Qatar atrás de uma vida melhor e respondem por mais de 40% do total não participam de nada disso.
Convidadas por empresas para trabalhar em construções, hotéis e em todo tipo de atendimento ao público ou trabalho braçal, pessoas vindas das Filipinas, da Índia, Paquistão, Sri Lanka entre outros são os que respondem pela pobreza na cidade. Diferente do que havia contado na minha primeira impressão sobre a cidade, há miséria sim, e muita, mas está toda camuflada, pois as residências dos imigrantes estão todas localizadas bem longe da nova Doha. Pode-se dizer que o sistema se assemelha a uma semi-escravidão: não se pode migrar com toda a família se o salário é mais baixo do que 4 mil rials (moeda local), enquanto a maioria não chega nem a ganhar mil rials. Quartos pequenos cedidos pelas empresas são divididos por até 20 trabalhadores e há muitas restrições para se circular na cidade; eles não podem ir aos shoppings nos fins de semana, por exemplo. Apesar de eles pagarem impostos como os cidadãos locais, não têm direito à educação e outras proteções do estado. Se o Qatar começa a falar em responsabilidade social no esporte e até em projetos na África, falta ainda olhar para o próprio umbigo e perceber as mazelas sociais que o país só está ajudando a reproduzir na região onde está localizado, um centro mundial de pobreza e instabilidade econômica. Afinal, a proposta não seria desenvolver-se sem esquecer da região e do tripé social, econômico e ambiental?
Com uma estrutura invejável para todos nós, mesmo entre os americanos e europeus presentes, a cidade da educação trouxe nos últimos cinco anos, quando a primeira universidade americana se instalou lá, a possibilidade de aprimorar e muito o ensino público para os qataris (a educação da população local é toda bancada pelo governo). E abriu espaço para a atuação das mulheres, que nos últimos dez anos têm sido inseridas nas faculdades e também no mercado de trabalho por lá. No entanto, afora as oportunidades de ensino, o lugar tem pouca coisa a que se possa atribuir a palavra sustentável. Com mais de 10 milhões de metros quadrados, a cidade universitária congrega seis universidades americanas (como a Northwestern University e a Weill Cornell Medical College) e só possui cerca de 2.500 alunos. Em um dia de aula normal, pela manhã, é até difícil encontrá-los pelos prédios, suas milhares de salas de aula e imensos auditórios. A tarefa é mais fácil quando se fala de computadores. Lá eles se espalham aos montes, assim como outros equipamentos de alta tecnologia de ensino, telas de apresentação e laboratórios, muitos vazios.
Não há como negar, porém, que o investimento é invejável, trata-se de algo na grandeza de US$ 8 bilhões só da parte da Fundação Qatar, sem contar as aplicações das universidades americanas. E da mesma forma, é admirável que este seja o principal projeto da fundação, mantida especialmente pela principal atividade da região, a exploração de petróleo e gás natural. Nos últimos dez anos e ainda com mais força nos últimos cinco, o Qatar tem investido tudo para se tornar uma grande potência na educação, considerada acertadamente por lá o motor da sociedade e um grande poder de mudança. Dessa forma, e com todo o investimento em construções e turismo, eles pretendem colher todos os louros provenientes da exploração das fontes fósseis de energia, especialmente porque sabem que elas não são renováveis, e, portanto, vão acabar, provavelmente ainda neste século.
Neste ponto, o país pode servir inclusive como exemplo para nós, que teremos agora mais dinheiro ainda proveniente da descoberta do pré-sal. Uma forma de aproveitá-lo para aprimorar os níveis de educação da população. Mas a experiência a ser seguida para por aí. Assim como não me pareceu haver grande preocupação na inclusão de mais alunos para o grande espaço disponível, foram raríssimas as vezes em que se ouviu a expressão "meio ambiente" durante o seminário. Parece que o conceito deles de sustentabilidade tem restrições. E a palavra inclusão é uma delas. Como disse anteriormente, o governo banca o ensino dos qataris. Mas eles respondem por apenas cerca de 16% dos quase 900 mil habitantes, o que nos faz perguntar: onde estão os demais moradores do país? Os europeus e americanos que vão ao país para estudar ingressam nas universidades, se puderem pagar ou conseguir bolsa por méritos escolares em seus países. No entanto, os imigrantes que vão ao Qatar atrás de uma vida melhor e respondem por mais de 40% do total não participam de nada disso.
Convidadas por empresas para trabalhar em construções, hotéis e em todo tipo de atendimento ao público ou trabalho braçal, pessoas vindas das Filipinas, da Índia, Paquistão, Sri Lanka entre outros são os que respondem pela pobreza na cidade. Diferente do que havia contado na minha primeira impressão sobre a cidade, há miséria sim, e muita, mas está toda camuflada, pois as residências dos imigrantes estão todas localizadas bem longe da nova Doha. Pode-se dizer que o sistema se assemelha a uma semi-escravidão: não se pode migrar com toda a família se o salário é mais baixo do que 4 mil rials (moeda local), enquanto a maioria não chega nem a ganhar mil rials. Quartos pequenos cedidos pelas empresas são divididos por até 20 trabalhadores e há muitas restrições para se circular na cidade; eles não podem ir aos shoppings nos fins de semana, por exemplo. Apesar de eles pagarem impostos como os cidadãos locais, não têm direito à educação e outras proteções do estado. Se o Qatar começa a falar em responsabilidade social no esporte e até em projetos na África, falta ainda olhar para o próprio umbigo e perceber as mazelas sociais que o país só está ajudando a reproduzir na região onde está localizado, um centro mundial de pobreza e instabilidade econômica. Afinal, a proposta não seria desenvolver-se sem esquecer da região e do tripé social, econômico e ambiental?
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