terça-feira, 24 de março de 2009

"Modelo sueco" seduz vítimas da crise

Peter Thal Larsen e Chris Giles,
Financial TIMES
24/03/2009

Stefan Ingves, presidente do Riksbank: "não há nada de sueco nesse modelo"
Em tempos mais tranquilos, Estocolmo não seria um destino óbvio para formuladores de políticas econômicas desejosos de melhorar sua compreensão do sistema financeiro. A capital de uma pequena economia que fica na periferia da Europa normalmente passa a maior parte de seu tempo respondendo a eventos cujas origens estão em outros lugares.
Mesmo assim, no último ano um número crescente de visitantes de renome vem atravessando as portas giratórias do imponente bloco de granito preto na praça Brunkebergstorg que abriga o Riksbank, o banco central sueco. Missão: descobrir se a resposta da Suécia à crise que abalou seu sistema financeiro em 1992 pode oferecer lições que ajudem a lidar com a atual recessão global.
Especialmente nos Estados Unidos, políticos e comentaristas econômicos vêm demonstrando entusiasmo pelo que se tornou conhecido como o "modelo sueco" de lidar com bancos em situação de falência. Ele passou a ser visto como padrão para a resolução rápida de problemas por meio de nacionalização e transferência de ativos tóxicos para "bancos ruins". Para comentaristas de direita, isso se tornou uma metáfora para escapar do planejamento central.
O presidente Barack Obama já indicou preferir uma abordagem ligeira ao estilo sueco à resposta japonesa a seus problemas bancários da década de 1990, que contribuíram para uma "década perdida" no crescimento econômico.
Bo Lundgren, diretor da secretaria do governo sueco encarregada da dívida, que esteve entre os que trabalharam para resolver os problemas no setor bancário de seu país, esteve em Washington na semana passada para falar sobre sua experiência ao Comitê de Supervisão do Congresso. Matthew Richardson e Nouriel Roubini, professores da Stern Business School da Universidade de Nova York, declararam recentemente: "Somos todos suecos agora".
A realidade não é tão simples. Entrevistas com várias pessoas envolvidas no plano de socorro sueco sugerem que há alguns paralelos com a crise atual. Há também diferenças importantes.
"Não há nada sueco no que as pessoas chamam de modelo sueco", afirma Stefan Ingves, presidente do Riksbank. Ingves era funcionário do Ministério das Finanças no começo da década de 1990 e comandava a Bank Support Authority, a agência que a Suécia criou para resolver sua crise. "O que fizemos foi montar a coisa, mas não inventamos a roda - usamos o conhecimento que pudemos adquirir em outras partes do mundo."
Os visitantes também são assegurados de que não chegaram tarde demais; a Suécia começou a levar a sério sua crise somente dois anos após pacotes de apoio aos bancos individuais e pontuais, entre 1990 e 1992. Àquela altura, diz Ingves "tínhamos uma série de casos específicos e percebemos que como eles tendiam a voltar, era difícil acertar na primeira vez". Foi somente na metade de 1992, quando o país nacionalizou o Nordbanken, que Ingves afirma que "cresceu um sentimento de que a crise bancária mais ampla poderia fugir do controle".
Então, funcionários do governo, pensando em um plano para ganhar tempo, elaboraram um programa para contemplar todo o sistema, que pudesse ser aplicado a todos os bancos. Em setembro de 1992, o governo anunciou uma garantia para todos os credores dos bancos, fora acionistas, junto com uma reestruturação mais ampla.
Naquele momento já se tinha seis meses de planejamento. Ao contrário do plano de socorro aos ativos problemáticos dos Estados Unidos, as autoridades suecas decidiram não estabelecer um número ao tamanho da garantia. "Se você escolhe um número pequeno, as pessoas vão dizer que não será suficiente; se você escolhe um número muito alto, elas vão dizer 'oh, é esse o problema?'", observa Ingves.
A Bank Support Authority que ele iria comandar, estava autorizada a oferecer apoio a qualquer banco que pedisse ajuda, mas sob condições rígidas. Todos os bancos em busca de ajuda tinham que se submeter a um exame detalhado de sua contabilidade - e, se necessário, uma injeção em capital do governo. As autoridades nacionalizaram só dois bancos: o Nordbanken, que já era controlado pelo Estado, e o Götabanken. Cooperativas e bancos de poupança foram fundidos, mas outros bancos privados só elevaram o capital.
Arne Bergren, funcionário do Ministério das Finanças responsável pela reestruturação bancária, é sincero em relação à abordagem que adotou. Estava claro desde o princípio que o governo iria agir como investidor comercial, exigindo participações acionárias em troca de capital. "Éramos um investidor que não queria lenga-lenga - éramos brutais", diz ele. As autoridades também insistiram na questão do controle. "Você assume o comando. Se você injeta capital, precisa entrar na administração do negócio, caso contrário a administração estará concentrada em salvar a pele dos acionistas privados remanescentes."
Dag Detter, que supervisionou todos os empreendimentos estatais suecos na metade da década de 1990, diz que é importante que as companhias sejam administradas com objetivos comerciais, estejam isoladas das interferências políticas e sejam transparentes, para que a confiança do público e do mercado se mantenha. "Se qualquer um desses três princípios for ignorado, os contribuintes vão sofrer, junto com ativos comerciais sob controle do Estado."
Assim que o governo assumiu o controle dos dois bancos, ele transferiu seus ativos problemáticos para "bancos ruins" separados. Um ponto básico nesta decisão foi o reconhecimento de que a administração dos bons e dos maus empréstimos exige habilidades fundamentalmente diferentes. "Os banqueiros querem manter seus clientes. É assim que você define o sucesso", diz Ingves. "Se você está tocando um 'banco ruim', o sucesso é se livrar de seus clientes- e isso significa que você precisa ter uma mentalidade diferente quando lida com esses problemas."
Os bancos privados também foram encorajados a colocar os empréstimos ruins em entidades separadas. No entanto, em contraste com a discussão recente nos EUA, as autoridades nunca contemplaram a remoção dos ativos ruins desses bancos. "Nos recusamos a comprar ativos dos bancos privados porque seria impossível para nós chegar a um acordo quanto aos preços e nunca estivemos no negócio de conceder subsídios a bancos privados", diz Ingves.
Isso significa que EUA, Reino Unido e outros países que comprometeram vastas somas de dinheiro para garantir ativos ruins, na contabilidade de bancos que continuam pelo menos parcialmente em mãos privadas, perderam o rumo? Ingves é educado demais para dizer isso, mas não há dúvidas em sua mente sobre quem vai pagar a conta: "Como você define as perdas entre o setor público e os antigos acionistas? Isso é um julgamento de valor, um julgamento político", diz ele.
Mas apesar de todas as potenciais lições, muitos fatores sugerem que a experiência sueca é um guia imperfeito para a navegação na crise atual.
Em primeiro lugar, o sistema bancário sueco era relativamente pequeno. Quando o governo emitiu suas garantias, as obrigações totais dos bancos representavam pouco mais que um ano do PIB sueco. Como resultado, as garantias eram mais confiáveis do que seriam hoje, quando os sistemas bancários de países pequenos como a Irlanda são muitas vezes maiores que suas economias. "Ninguém questionou a credibilidade do governo da Suécia", diz Gabriel Urwitz, que foi presidente-executivo do Götabanken até pouco antes dele ser nacionalizado. "Eles emitiram as garantias e o resto do mundo as aceitou."
Outra diferença é que em 1992 os bancos suecos eram mais simples que as grandes e complexas instituições financeiras atuais. Os ativos ruins consistiam principalmente de empréstimos a projetos imobiliários comerciais que entraram em default quando as taxas de juros subiram e o país entrou em recessão. O resultado foi que os bancos ficaram com portfólios de hotéis e prédios comerciais como o London Ark, uma construção que é um marco arquitetônico e recebe os visitantes que se encaminham do aeroporto de Heathrow para o centro de Londres - mas não títulos lastreados em hipotecas, derivativos ou outros instrumentos de dívida complexos. Mesmo assim, as autoridades levaram seis meses para concluir um exame da contabilidade dos bancos.
Em terceiro lugar, o socorro foi conduzido em meio a um consenso político. Quando o Ministério das Finanças delineou as garantias em setembro de 1992, ele não tinha poder legal para isso; a legislação necessária só foi aprovada meses depois. A apoio do principal partido de oposição, o Social Democrata, permitiu ao governo agir como se a lei já estivesse implementada. Isso contrasta com os EUA, onde os Republicanos do Congresso provocaram turbulências no mercado em setembro, quando rejeitaram inicialmente o plano de ajuda aos ativos problemáticos.
Mesmo assim, a parte mais importante do socorro bancário na Suécia pode ter sido a desvalorização da coroa, uma medida que o governo não queria tomar. Em novembro de 1992, as autoridades desistiram de defender a moeda, permitindo sua livre flutuação. Esta decisão, que coincidiu com um aquecimento da economia na Europa, provavelmente deu à Suécia um empurrão, estimulando a demanda por exportações. Seja qual for a razão, o PIB voltou a crescer no segundo trimestre de 1993.
Se o consenso político teria sido mantido na eventualidade de uma desaceleração prolongada, é algo aberto a discussões. Mesmo os arquitetos do socorro bancário não têm certeza sobre a influência que suas ações tiveram. "Nosso objetivo foi minimizar o custo econômico e reduzir a duração da crise", afirma Berggren. "Talvez fossemos bem sucedidos. Jamais saberemos."
Se a experiência sueca pode fornecer hoje algumas pistas para os estressados formuladores de políticas econômicas, a postura subsequente do país oferece uma lição sobre o que não fazer. As autoridades contiveram a crise, mas falharam visivelmente ao não implementarem reformas de longo prazo para ajudar a evitar problemas parecidos no futuro. "O modelo regulador que implementamos no começo dos anos 1990 tinha prazo definido. Então o prazo acabou", diz Ingves. "Os políticos acharam que 'isso não vai acontecer outra vez'", afirma Staffan Viotti, um assessor de Ingves e professor-adjunto da Stockholm School of Economics.
Durante o boom de crédito recente, os bancos suecos embarcaram em outro ímpeto de crescimento, ampliando seus empréstimos através da Escandinávia e especialmente nos países bálticos, onde os bancos suecos respondem por uma grande parcela do sistema bancário. Então, quando a crise financeira explodiu, o governo sueco foi mais uma vez forçado a agir, prometendo garantir até US$ 205 bilhões em empréstimos bancários, ao mesmo tempo que estabeleceu um fundo de 15 bilhões de coroas (US$ 1,8 bilhão) para investir nos bancos. Três dos quatro maiores bancos suecos, incluindo o Nordea - criado em parte do ex-Nordbanken - levantaram capital novo. Em resposta à nova crise, a legislação foi acelerada, depois de ser ignorada por 16 anos.
Enquanto deixam o Riksbank em direção ao aeroporto Arlanda, de Estocolmo, os banqueiros centrais e formuladores de políticas econômicas visitantes podem refletir que talvez a lição mais importante é aquela que os próprios suecos não aprenderam.

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