É parte da crônica dos efeitos da crise mundial no Brasil o uso feito pelo governo do impacto recessivo vindo de fora para abrir as torneiras dos gastos públicos de forma temerária. Uma ação correta, anticíclica, mas usada de maneira equivocada, para obter resultados de curto prazo e na forma de polpudos dividendos eleitorais: aumentos generosos para o funcionalismo, de aposentadorias e gastos assistenciais, em decorrência da elevação real do salário mínimo.
Preferiu-se dar prioridade às despesas de custeio, fáceis de executar, embora se eternizem. Se e quando houver necessidade de conter despesas, o engessamento orçamentário será um problema mais grave do que já é. Não há este risco nos investimentos públicos em infraestrutura, área sem dúvida carente. Estes, porém, requerem uma agilidade administrativa inexistente em Brasília. Optou-se pela via mais fácil, sem preocupação com o futuro. O governo apressou-se, também, a capitalizar bancos estatais (BNDES, Caixa Econômica), a fim de usar a ferramenta do crédito para conter as ondas de propagação recessivas criadas pela quebra histórica do sistema bancário americano em setembro de 2008. Tudo dentro dos manuais técnicos. Porém, como no caso das despesas, executado por via oblíqua. No BNDES foram injetados R$ 180 bilhões, num primeiro momento, captados pelo lançamento de títulos do Tesouro. Como os recursos foram "emprestados" ao banco, eles não aparecem na dívida pública líquida, só na bruta. Como a relação da dívida líquida com o PIB é o principal indicador utilizado para medir a solvência do setor público, ficou evidente a intenção de maquiar o índice.
E não houve qualquer referência clara por parte das autoridades ao fato de que este tipo de operação embute um pesado subsídio pago pelo contribuinte, devido à diferença entre os (elevados) juros pagos pela União ao se endividar e a (baixa) taxa cobrada pelo BNDES aos clientes.
O estojo de maquiagem contábil do governo não parou mais de ser utilizado, com a deterioração do superávit primário, inexorável diante da gastança reinante. A criatividade desmedida no embelezamento das contas públicas deu novamente o ar da graça na intrincada capitalização da Petrobras, feita, por parte da União, pela cessão onerosa de 5 bilhões de barris à estatal. Os alquimistas da contabilidade pública engendraram uma operação pela qual mais títulos são emitidos, para injetar recursos no BNDESPar, que irá subscrever uma parcela das novas ações da estatal, em nome da União. Numa conta de chegar com o valor estimado dos tais 5 bilhões de barris, a estatal ficará "devendo" cerca de R$ 30 bilhões ao Tesouro, cifra a ser registrada no superávit primário. Quer dizer, criou-se dinheiro do nada, de fumaça, para permitir que o superávit se aproxime de 3% do PIB, apenas 0,3 ponto percentual abaixo da meta. Na vida real dos fluxos financeiros, ele será bem menor que isto.
É mau negócio tentar enganar agentes do mercado. A perda de qualidade das informações sobre a contabilidade pública apenas fará com que aumente a percepção do risco Brasil. Se o laboratório de alquimias continuar a funcionar, em algum momento os juros subirão, em prejuízo do crescimento da economia. Falta de transparência e esperteza são ingredientes explosivos em política econômica.
O Globo Online
FONTE: Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 04 de Outubro de 2010
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