segunda-feira, 31 de maio de 2010

Novo valor justo americano coloca convergência em risco

Contabilidade: Proposta prevê ampliação do uso da marcação a mercado, o que aumentará a lacuna entre regras dos EUA e internacionais.

Por Rachel Sanderson, Financial Times, de Londres

Bob Herz, presidente o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb), dos Estados Unidos, enfim, apresentou suas ideias sobre uma das questões mais controvertidas dos últimos dois anos: o da contabilização de instrumentos financeiros e uso do valor justo.

Sua resposta parece destinada a manter a questão tão polêmica quanto o era no calor da crise. Como diz Herz, ex-sócio da auditoria PwC nos EUA, "no geral, há mais valor justo" nessa nova proposta do que era padrão nas regras americanas e do que prevê as normas internacionais de contabilidade (IFRS).

O valor justo - que significa contabilizar os instrumentos financeiros valendo-se do valor de mercado - dos produtos complexos que compõem grande parte dos balanços dos bancos de investimento foi, é claro, um dos campos de batalha no recente desmoronamento dos mercados.

Os críticos, como o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e muitas autoridades reguladoras, atribuem a culpa da extrema instabilidade dos mercados ao método de avaliar os preços de ativos e passivos pelos preços de mercado vigentes.

Os defensores, como o Goldman Sachs e uma série de poderosos fundos mútuos e previdenciários dos Estados Unidos, argumentam que avaliar os ativos e créditos pelos preços de mercado está no melhor interesse dos investidores, por proporcionar a visão mais clara sobre o valor da companhia.

Herz parece ter ficado do lado dos investidores nesse argumento. Pelas propostas do Fasb, apresentadas anteontem, a avaliação de instrumentos financeiros será simplificada, mas haverá mais uso do valor justo do que nas normas americanas atuais ou do que em qualquer outro momento dos últimos anos.

Os créditos hipotecários, empresariais e ao consumidor geralmente são calculados pelo custo amortizado - método de avaliação de longo prazo e mais estável - pelas regras internacionais e americanas. O novo plano dos EUA exigiria que esses empréstimos sejam contabilizados pelo valor justo.

O custo amortizado apareceria como uma linha separada do balanço - certo consolo para os críticos do valor justo. Para os ativos financeiros que são mantidos com objetivo de receber juros e principal, o balanço teria de informar tanto o valor justo como o custo amortizado.

Os passivos financeiros seriam contabilizados de forma similar aos ativos.

Herz admite que o uso amplo do valor justo fará com que seu nome seja condenado em algumas partes. Reguladores e bancos de varejo com pequenas operações de negociação de valores mobiliários "não serão muito receptivos" sobre sua proposta de valor justo para os empréstimos, diz Herz.

A posição do Fasb também entra em confronto com a do Iasb, com quem tenta convergir. O órgão que determina as regras contábeis da maior parte do mundo, mas não dos EUA, propôs contabilizar pelo valor justo um número bem menor de instrumentos financeiros e um número maior pelo custo amortizado. Tendo em vista que a Comissão Europeia mostrou certa oposição à proposta do Iasb - argumentando que ainda há uso demasiado do valor justo - parece certo que os políticos e reguladores europeus terão uma opinião ainda mais crítica sobre o plano do Fasb.

A conclusão mais óbvia é a de que as chances de convergência das normas do Fasb e Iasb a tempo do prazo estimulado pelo G-20, grupo dos 20 países mais industrializados, em junho de 2011, parecem frágeis.

Por meses, o Fasb e Iasb deram a impressão de andar em direções opostas. Mas isso ocorreu a portas fechadas, onde era difícil, se não impossível, que investidores, reguladores, contadores e executivos - os verdadeiros clientes das normas contábeis - pudessem se envolver.

Ao trazer o conflito para terreno aberto, Herz pode ter proporcionado um último incentivo ao processo de convergência. Agora, cabe a todas as partes interessadas se certificarem de que não desperdiçarão a chance de um debate mais amplo.


Fonte: Valor Econômico



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